terça-feira, 16 de março de 2010

A miséria Moral dos esquerdistas

O certo é que nos acostumamos a que grande parte dos direitistas de hoje tenham sido de esquerda ontem. O caminho inverso é muito menos comum. A direita sabe recompensar os que aderem a seus ideais – e salários. A adesão à esquerda costuma ser pelo convencimento dos seus ideais.

O ex-esquerdista ataca com especial fúria a esquerda, como quem ataca a si mesmo, a seu próprio passado. Não apenas renega as idéias que nortearam – às vezes o melhor período da sua vida —, mas precisa mostrar, o tempo todo, à direita e a todos os seus poderes, que odeia de tal maneira a esquerda, que já nunca mais recairá naquele “veneno” que o tinha viciado. Que agora podem contar com ele, na primeira fila, para combater o que ele foi, com um empenho de quem “conheceu o monstro por dentro”, sabe seu efeito corrosivo e se mostra combatente extremista contra a esquerda.

Não discute as ideias que teve ou as que outros têm. Não basta. Senão seria tratar interpretações possíveis, às quais aderiu e já não adere. Não. Precisa chamar a atenção dos incautos sobre a dependência que geram a “dialética”, a “luta de classes”, a promessa de uma “sociedade de igualdade, sem classes e sem Estado”. Denunciar, denunciar qualquer indicio de que o vício pode voltar, que qualquer vacilação em relação a temas aparentemente ingênuos, banais, corriqueiros, como as políticas de cotas nas universidades, uma política habitacional, o apoio a um presidente legalmente eleito de um país, podem esconder o veneno da víbora do “socialismo”, do “totalitarismo”, do “stalinismo”.

Viraram pobres diabos, que vagam pelos espaços que os Marinhos, os Civitas, os Frias, os Mesquitas lhes emprestam, para exibir seu passado de pecado, de devassidão moral, agora superado pela conduta de vigilantes escoteiros da direita. A redação de jornais, revistas, rádios e televisões está cheia de ex-trotskistas, de ex-comunistas, de ex-socialistas, de ex-esquerdistas arrependidos, usufruindo de espaços e salários, mostrando reiteradamente seu arrependimento, em um espetáculo moral deprimente.

Aderem à direita com a fúria dos desesperados, dos que defendem teses mais que nunca superadas, derrotadas, e daí o desespero. Atacam o governo Lula, o PT, como se fossem a reencarnação do bolchevismo, descobrem em cada ação estatal o “totalitarismo”, em cada política social a “mão corruptora do Estado”, do “chavismo”, do “populismo”.

Vagam, de entrevista a artigo, de blog à mesa redonda, expiando seu passado, aderidos com o mesmo ímpeto que um dia tiveram para atacar o capitalismo, agora para defender a “democracia” contra os seus detratores. Escrevem livros de denúncia, com suposto tempero acadêmico, em editoras de direita, gritam aos quatro ventos que o “perigo comunista” – sem o qual não seriam nada – está vivo, escondido detrás do PAC, do Minha Casa, Minha Vida, da Conferência Nacional de Comunicação, da Dilma – “uma vez terrorista, sempre terrorista”.

Merecem nosso desprezo, nem sequer nossa comiseração, porque sabem o que fazem – e os salários no fim do mês não nos deixam mentir, alimentam suas mentiras – e ganham com isso. Saíram das bibliotecas, das salas de aula, das manifestações e panfletagens, para espaços na mídia, para abraços da direita, de empresários, de próceres da ditadura.

Vagam como almas penadas em órgãos de imprensa que se esfarelam, que vivem seus últimos sopros de vida, com os quais serão enterrados, sem pena, nem glória, esquecidos como serviçais do poder, a que foram reduzidos por sua subserviência aos que crêem que ainda mandam e seguirão mandado no mundo contra o qual, um dia, se rebelaram e pelo que agora pagam rastejando junto ao que de pior possui uma elite decadente e em vésperas de ser derrotada por muito tempo. Morrerão com ela, destino que escolheram em troca de pequenas glórias efêmeras e de uns tostões furados pela sua miséria moral. O povo nem sabe que existiram, embora participe ativamente do seu enterro.


http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_secao=1&id_noticia=125351

terça-feira, 11 de agosto de 2009

O NASCIMENTO DE UM SONHO,

Vinte e três anos atrás. Desde as primeiras horas da manhã, começaram a chegar pessoas das diversas comunidades até formar um rio de gente que se concentrou na praça do mercado. Era um povo que se mobilizava por um objetivo. A expectativa de um sonho a ponto de concretizar-se, arrancou de suas casas a centenas de trabalhadores/as rurais e suas famílias para ver nascer esse sonho: a fundação do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Tanquinho.
Durante a passeata até a frente da Igreja, a história de longos anos de lutas e esperanças estava estampada nos rostos sofridos de cada homem e mulher, dos jovens e até das crianças que acompanhavam aquele momento com um entusiasmo contagiado e contagiante. O nascimento do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Tanquinho era muito mais que um ato jurídico, representava, naquele momento, o nascimento da esperança de um povo sofrido; era uma pequena luz que poderia alumiar em parte as trevas de injustiças e opressão que desde faz séculos se abatem sobre uma grande parte do povo de Tanquinho, de Bahia, do Brasil. O sindicato seria a ferramenta ao alcance dos pequenos agricultores, dos assalariados e bóias frias, dos aposentados, ou seja, da maioria do povo de Tanquinho. O objetivo do STR de Tanquinho era trazer mais justiça para esse povo, oportunizar o acesso aos direitos constitucionalmente reconhecidos e efetivamente negados, denunciar abusos e injustiças, ajudar a enfrentar situações críticas de sobrevivência . Como proclamamos naquele momento, a missão do STR era ser “voz do que não tem voz”.
O nascimento do STR de Tanquinho não foi por acaso, nem por tramóias de algum cacique político, nem por manipulação de interesses particulares. Naquele dia dava a luz o sonho amadurecido por longos anos de trabalho de conscientização e luta de muitas pessoas e comunidades. Por detrás desse momento se encontrava um longo processo de amadurecimento de pessoas que, quase na sua totalidade, eram vinculadas às Comunidades de Base e motivadas por sua fé cristã. Elas decidiram fazer da fé em Cristo um compromisso de vida em causa da justiça. O seu compromisso na comunidade, nos grupos de jovens, nas reuniões em família, nos encontros de Pastoral Rural, etc., possibilitou a base popular desta organização social. Esses anos de reflexão, compromisso participação nas CEBs propiciou o amadurecimento pessoal das lideranças que naquele momento aceitaram o desafio de fundar e dirigir o sindicato. Desde os primórdios da fundação, a maioria das pessoas que naquele momento se comprometeram com o STR sentiam que o apelo de Cristo fez: “aquilo que vocês fazem com um destes pequeninos, a mim me o fazem”, era o desafio deste movimento social. Embora enfrentaram muitas críticas, incompreensões e até perseguições, havia algo de profundo naquelas pessoas que lhes possibilitou continuar em frente, apesar de tantos obstáculos.
Somos humanos e sabemos que nada é perfeito. As impurezas de nossa própria condição humana terminam contaminando muitas das coisas que fazemos. Ao longo destes 25 anos certamente o STR cometeu erros, seus dirigentes tiveram deslizes e fizeram coisas equivocadas. Porém ao lançar o olhar para trás percebemos que aquela semente plantada não foi em vão. Relevo após relevo nas diretorias do sindicato, foi carregada a tocha e o desafio, daquele sonho de maior justiça para este povo sofrido.
Hoje são novos tempos, entramos no século XXI, muitas das condições de opressão social mudaram e o papel dos movimentos sociais e do SRT deve ajustar-se às novas conjunturas. Contudo seu objetivo principal continua sendo um sonho para uma grande parte do povo de Tanquinho e do Brasil: mais justiça, menos desigualdade social; melhor distribuição da riqueza, uma vida mais digna para todos.
Hoje, numa sociedade globalizada, o STR pode parecer uma ferramenta pequena, quase insignificante. Porém lembrando as palavras de Jesus: a semente do Reino é como um grão de mostarda que em aparência é a menor, mas depois cresce como a maior, vemos que pequenas organizações locais criam o tecido de um movimento social global, através do qual o Brasil e o mundo se conecta no irrenunciável ideal humano de uma sociedade com menos injustiça e desigualdade. Nesta nova conjuntura, o STR de Tanquinho continua sendo um importante nó local da rede global que no Brasil e o mundo une a todos os homens e mulheres de boa vontade que lutam para impedir que as lacras da injustiça estrutural do Brasil ou o peso do neoliberalismo mundial sufoquem a esperança de milhões de pessoas para uma vida digna.
Há um longo caminho por percorrer, nosso alimento é a sede de justiça, nossa esperança é que nada que se semeia nesta vida se perde para sempre senão que frutifica de muitas formas hoje talvez imprevisíveis para nós.
Um grande abraço a todo esse povo irmão e amigo

Castor Bartolomé Ruiz

tolerancia

Uma tolerância universal seria, é claro, moralmente condenável: porque esqueceria as vítimas, porque as abandonaria à sua sorte, porque deixaria perpetuar-se seu martírio.Tolerar é aceitar o que poderia ser condenado, é deixar fazer o que se poderia impedir ou combater. Portanto, é renunciar a uma parte de seu poder, de sua força, de sua cólera… Assim, toleramos os caprichos de uma criança ou as posições de um adversário. Mas isso só é virtuoso se assumirmos, como se diz, se superarmos para tanto nosso próprio interesse, nosso próprio sofrimento, nossa própria impaciência. A tolerância só vale contra si mesmo, e a favor de outrem. Não há tolerância quando nada se tem a perder, menos ainda quando se tem tudo a ganhar em suportar, isto é, em nada fazer. “Temos todos bastante força”, dizia La Rochefoucauld, “para suportar os males de outrem.” Talvez, mas ninguém veria nisso tolerância. Sarajevo era, dizem, cidade de tolerância; abandoná-la hoje (dezembro de 1993) a seu destino de cidade sitiada, de cidade esfomeada, de cidade massacrada, não passaria, para a Europa, de covardia. Tolerar é se responsabilizar: a tolerância que responsabiliza o outro já não é tolerância. Tolerar o sofrimento dos outros, tolerar a injustiça de que não somos vítimas, tolerar o horror que nos poupa não é mais tolerância: é egoísmo, é indiferença, ou pior. Tolerar Hitler era ser seu cúmplice, pelo menos por omissão, por abandono, e essa tolerância já era colaboração. Antes o ódio, antes a fúria, antes a violência, do que essa passividade diante do horror, do que essa aceitação vergonhosa do pior! Uma tolerância universal seria tolerância do atroz: atroz tolerância!
Mas essa tolerância universal também seria contraditória, pelo menos na prática, e por isso não apenas moralmente condenável, como acabamos de ver, mas politicamente condenada. Foi o que mostraram, em problemáticas diferentes, Karl Popper e Vladimir Jankélévitch. Levada ao extremo, a tolerância “acabaria por negar a si mesma”, pois deixaria livres as mãos dos que querem suprimi-la. A tolerância só vale, pois, em certos limites, que são os de sua própria salvaguarda e da preservação de suas condições de possibilidade. É o que Karl Popper chama de “o paradoxo da tolerância”: “Se formos de uma tolerância absoluta, mesmo para com os intolerantes, e se não defendermos a sociedade tolerante contra seus assaltos, os tolerantes serão aniquilados, e com eles a tolerância.” Isso só vale na medida em que a humanidade é o que é, conflitual, passional, atormentada, mas é por isso que vale. Uma sociedade em que uma tolerância universal fosse possível já não seria humana, e aliás já não necessitaria de tolerância.
Ao contrário do amor ou da generosidade, que não têm limites intrínsecos nem outra finitude além da nossa, a tolerância é, pois, essencialmente limitada: uma tolerância infinita seria o fim da tolerância! Não dar liberdade aos inimigos da liberdade? Não é tão simples assim. Uma virtude não poderia se isolar na intersubjetividade virtuosa: aquele que só é justo com os justos, generoso com os generosos, misericordioso com os misericordiosos, etc., não é nem justo nem generoso nem misericordioso. Tampouco é tolerante aquele que só o é com os tolerantes. Se a tolerância é uma virtude, como acredito e como geralmente se aceita, ela vale por si mesma, inclusive para com os que não a praticam. A moral não é nem um mercado nem um espelho. É verdade, claro, que os intolerantes não teriam nenhum motivo para queixar-se de que se é intolerante para com eles. Mas onde já se viu uma virtude depender do ponto de vista dos que não a têm? O justo deve ser guiado “pelos princípios da justiça, e não pelo fato de que o injusto não pode se queixar”. Do mesmo modo, o tolerante, pelos princípios da tolerância. Se não se deve tolerar tudo, pois seria destinar a tolerância à sua perda, também não se poderia renunciar a toda e qualquer tolerância para com aqueles que não a respeitam. Uma democracia que proibisse todos os partidos não democráticos seria muito pouco democrática, assim como uma democracia que os deixasse fazer tudo e qualquer coisa seria democrática demais, ou antes, mal democrática demais e, por isso, condenada – pois ela renunciaria a defender o direito pela força, quando necessário, e a liberdade pela coerção. O critério não é moral, aqui, mas político. O que deve determinar a tolerabilidade de determinado indivíduo, grupo ou comportamento não é a tolerância de que eles dão mostra (porque então todos os grupos extremistas de nossa juventude deveriam ter sido proibidos, o que só lhes daria razão), mas sua periculosidade efetiva: uma ação intolerante, um grupo intolerante, etc., devem ser proibidos se, e somente se, ameaçarem efetivamente a liberdade ou, em geral, as condições de possibilidade da tolerância. Numa República forte e estável, uma manifestação contra a democracia, contra a tolerância ou contra a liberdade não basta para colocá-las em perigo; portanto, não há motivo para proibi-las, e seria uma falta de tolerância querê-lo. Mas, se as instituições estão fragilizadas, se a guerra civil está iminente ou já começou, se grupos facciosos ameaçam tomar o poder, a mesma manifestação pode se tornar um perigo verdadeiro; então pode ser necessário proibi-la, impedi-la, até pela força, e seria falta de firmeza ou de prudência renunciar a essa possibilidade. Em suma, depende dos casos, e essa “casuística da tolerância”, como diz Jankélévitch, é um dos problemas principais de nossas democracias. Depois de ter evocado o paradoxo da tolerância, que faz com que a enfraqueçamos à força de querer estendê-la infinitamente, Karl Popper acrescenta o seguinte:
Não quero dizer com isso que seja sempre necessário impedir a expressão de teorias intolerantes. Enquanto for possível enfrentá-las com argumentos lógicos e conte-las com ajuda da opinião pública, seria um erro proibi-las. Mas é necessário reivindicar o direito de fazê-lo, mesmo pela força, se necessário, porque pode muito bem acontecer que os partidários dessas teorias se recusem a qualquer discussão lógica e só respondam aos argumentos com a violência. Seria necessário então considerar que, assim fazendo, eles se colocam fora da lei e que a incitação à tolerância é tão criminosa quanto a incitação ao assassinato, por exemplo.
Democracia não é fraqueza. Tolerância não é passividade.
Moralmente condenável e politicamente condenada, uma tolerância universal não seria, pois, nem virtuosa nem viável. Ou, para dizer de outro modo: há muita coisa intolerável, mesmo e sobretudo para o tolerante! Moralmente: o sofrimento de outrem, a injustiça, a opressão, quando poderiam ser impedidos ou combatidos por um mal menor. Politicamente: tudo o que ameaça efetivamente a liberdade, a paz ou a sobrevivência de uma sociedade (o que supõe uma avaliação, sempre incerta, dos riscos), logo também tudo o que ameaça a tolerância, quando essa ameaça não é simplesmente a expressão de uma posição ideológica (a qual poderia ser tolerada), mas sim um perigo real (o qual deve ser combatido, pela força, se necessário). Isso deixa espaço para a casuística, no melhor dos casos, e para a má-fé, na pior – isso deixa espaço para a democracia, para suas incertezas e para seus riscos, que são preferíveis, no entanto, ao conforto e às certezas de um totalitarismo.
O que é o totalitarismo? É o poder total (de um partido ou do Estado) sobre o todo (de uma sociedade). Mas, se o totalitarismo se distingue da simples ditadura ou do absolutismo, isso se dá sobretudo por sua dimensão ideológica. O totalitarismo nunca é o poder absoluto de um homem ou grupo: é também, talvez antes de tudo, o poder de uma doutrina, de uma ideologia (freqüentemente com pretensões científicas), de uma “verdade”, ou pretensa verdade. A cada tipo de governo seu princípio, dizia Montesquieu: como uma monarquia funciona com base na honra, uma república na virtude e um despotismo no temor, o totalitarismo, acrescenta Hannah Arendt, funciona com base na ideologia ou (visto de dentro) na “verdade”. É nisso que o totalitarismo é intolerante: porque a verdade não se discute, não se vota e independe das preferências ou das opiniões de cada um. É como uma tirania do verdadeiro. É nisso também que toda intolerância tende ao totalitarismo ou, em matéria religiosa, ao integrismo: não se pode pretender impor seu ponto de vista a não ser em nome de sua suposta verdade, ou antes, é apenas nessa condição que tal imposição pode se pretender legítima. Uma ditadura que se impõe pela força é um despotismo; se ela se impõe pela ideologia, um totalitarismo. Compreende-se que a maioria dos totalitarismos também sejam despotismos (afinal, a força, se necessário, tem de vir socorrer a idéia…) e que, em nossas sociedades modernas, que são sociedades de comunicação, a maioria dos despotismos tendam ao totalitarismo (afinal, a idéia tem de dar razão à força). Doutrinamento e sistema policial caminham juntos. O caso é que a questão da tolerância, que durante muito tempo foi apenas uma questão religiosa, tende a invadir o todo da vida social; ou antes, pois é obviamente o inverso que se tem de dizer, o sectarismo, de religioso que era no início, tornou-se no século XX onipresente e multiforme, agora muito mais sob dominação da política do que da religião: daí o terrorismo, quando o sectarismo está na oposição, ou o totalitarismo, quando ele está no poder. Dessa história, que foi a nossa, talvez saiamos um dia. Por outro lado, não sairemos da intolerância, do fanatismo, do dogmatismo. O que é a tolerância? Alain respondia: “Uma espécie de sabedoria que supera o fanatismo, esse temível amor à verdade.”